#Texto 6 – Democracia e Heterotopia

Gabrielli dos Santos Pereira
3 min readJan 4, 2021

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Nossa última reflexão vai ser sobre a democracia e heterotopia; seus espaços, poder e estratégia.

A noção de democracia, como sobejamente sabido, não é inerente ao universo moderno e tem suas raízes na antiguidade grega. Evidentemente que o sentido da democracia e a realidade democrática destes dois mundos são radicalmente distintos. O posto essencial que atualmente ocupa a democracia, fortemente ligado à crise do pós-segunda guerra, alçou não apenas a sua ideia, mas também a sua prática e disseminação cultural ao nível de um valor em si, ao qual boa parte dos estados defendem e proclamam pertencer. Se por longo tempo a história do pensamento político nutriu uma séria desconfiança em relação à democracia, vista como a possibilidade de uma tirania da maioria ou como uma desordem irre- fletida de uma multidão (COSTA, 2010; 2012; ZAGREBELSKY, 2005), o cenário contemporâneo não se debruça mais em questionar a validade ou vantagens da democracia, mas sim em pensar os modelos democráticos materialmente possíveis e seus pontos de fundamentação.

Refletir sobre a democracia remete, ao menos, em pensar numa sociedade que tem como princípios regentes a igualdade, o tratamento não desumano, a dignidade da pessoa humana, um governo não autoritário e limitado nos valores de defesa e respeito ao conjunto dos atores sociais. Apesar desta não obscuridade do conceito, ele também está longe de ser transparente.

O preâmbulo da Constituição Federal de 1988 apresenta em sua abertura uma fórmula bastante conhecida por diferentes modernos Estados democráticos: “Nós o povo”. Embora não sejam estas as exatas palavras de nossa constituição, é esta a fórmula ou ideia que está lá colocada. Trata-se do conhecido modelo americano “We the people”, e traz consigo a noção de vontade geral, o que já demarca o universo moderno dessa fórmula democrática, amparado no contexto humanista e individualista de sua formulação.

Trata-se da concepção da soberania constituída pelos atributos inerentes aos indivíduos capazes de autogovernarem-se proclamando e delineando os moldes da ordem política e jurídica a qual se submetem. Mas não quero aqui retomar a história do conceito de democracia em suas próprias rupturas e alterações para compreender seu valor que hoje em dia é incontestável no cenário político, e também não quero reformular o horizonte individualista moderno da construção do homem e sua humanitas como fonte de direitos e de elaboração de sua ordem política.

Tais debates são seguramente necessários e centrais, pois há que se reconhecer a noção de maioria formada por indivíduos vistos como livre e iguais para compreender o cenário democrático que observamos. Mas outros já fizeram tais caminhos de modo mais atento e detido.

O que estou propondo é uma consideração que já parte da constatação do cenário individualista e da vontade geral como base fundadora do contexto democrático moderno e pensa os dilemas desse modelo na atualidade. Em outras palavras, quero pensar como o jogo democrático atualmente não pode descartar seus fundamentos modernos e menos ainda os princípios de defesa do indivíduo e da pessoa que daí derivam, mas também precisa ampliar seu olhar para a complexidade política e social. Justamente este movimento parece denotar o eixo de sentido da democracia contemporânea, qual seja, a consideração da pluralidade e da diversidade sem perder o particular e buscando os remédios para que a isonomia não seja cega e homogeinizante.

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Gabrielli dos Santos Pereira

Registros, desabafos e opiniões de uma graduanda em Linguística